Spring Cleaning e Nacionalismo
Iniciei a limpeza anual lá de casa. Entre pilhas de papelada suficientes para encher um reciclão de bairro e estantes vergadas pelo peso dou de caras com um alfinete de gravata com um símbolo monárquico. Esvazio uma gaveta que desconfio tem um conteúdo que será 100% para o lixo. Salta um molho de cartas abraçadas por um baraço. São de várias pessoas diferentes e de épocas diferentes. São todas pessoais. Guardo-as por razões sentimentais. Abro uma ... É do Jerry, deseja-me Bom Natal, que vai a caminho da Austrália e apanharam uma tempestade. Que no próximo Março estará de volta a Lisboa e que podemos ir beber uns copos. Virá concerteza com as suas inseparáveis socas de madeira, que calça sempre esteja na Polinésia ou em Manhatan. É o seu tributo à Holanda, a sua terra natal. É o seu nacionalismo pessoal. Mas estes parecem ser tipos de nacionalismo em decadência. Na Europa recrudescem outros tipos de nacionalismo menos saudáveis. Nesta semana um adolescente belga de 18 anos munido de uma arma de 9 mm (legal na Bélgica) disparou num jardim público contra uma turca que lia um livro, de seguida dirigiu-se a uma artéria comercial cheia de gente onde matou a tiro uma mulher negra e a sua filha de 2 anos. Em pleno dia e no centro de uma grande cidade. O jovem é filho de um dirigente do partido de extrema direita belga. Em Portugal meia dúzia de gatos pingados envergando suásticas e cartazes racistas dá-se ao trabalho de se deslocar a uma freguesia remota do país para instigar ódio contra o líder político local e contra uma vintena de emigrantes brasileiros a quem foram oferecidas condições de trabalho e residência na freguesia para combater a despovoação. Os partidos de extrema direita europeus são actualmente a versão ocidental da madrassa. Fazem lavagens ao cérebro a mentes simples num ápice. É o que vou fazer agora, uma lavagem .... às gavetas vazias para ver se me esqueço que estas coisas existem.
Foi comprado há uns anos, numa espécie de impulso nacionalista-saudosista durante um longo passeio pelos bairros tradicionais de Alfama e Castelo. O casario de cores garridas e as vielas estreitas cheias de gatos vadios com velhotas à janela a ouvir faduchos na rádio; o cheiro a cozinhados que exalava das janelas, os velhotes sentados na soleira a apanhar sol e a ver a vista sobre o Tejo, deram-me de repente um ódio pela profusão de carros estacionados por toda a parte, pelos condomínios fechados em pleno bairro histórico onde se entra ao volante do BM com uma cigarrilha ao canto da boca e um bigode latino-viril, pelas tags a ajavardar as fachadas e pelas hordas de 20-somethings com roupa alternativa e penteados pindéricos que se bamboleavam por ali. Entrei numa loja decrépita onde um homem semi-senil se sentava ao balcão à espera que acontecesse algo ou que a artrite o levasse de vez. Entre bric-a-brac diverso, uma dezena de alfinetes de gravata refulgentes, chamavam a atenção. Comprei um com uma coroa e umas quinas. Aqui jaz entre um molho de papeis desconexos e umas encadernações de argolas.
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